A terceirização de serviços, essencial para a dinâmica da economia brasileira, coloca empresas em uma corda bamba, onde a “mão” do Estado, ao buscar garantir a qualidade e eficiência dos serviços públicos, pode, paradoxalmente, empurrá-las para o abismo financeiro. Essa vulnerabilidade se agrava quando somamos a esse fator a imprevisibilidade de crises globais e regionais que se manifestam no presente momento, os reflexos persistentes da pandemia do COVID-19, e as oscilações do mercado de trabalho.
O Estado, na figura de contratante, fiscalizador e executor de penalidades, exerce um poder que, se não for aplicado com equilíbrio, pode se tornar um fardo insustentável para as empresas terceirizadas. A legislação prevê um arsenal de sanções – multas, suspensões, inidoneidade – para assegurar o cumprimento dos contratos. No entanto, o cálculo das multas, muitas vezes atrelado ao faturamento bruto das empresas, pode resultar em valores desproporcionais, que ignoram a capacidade de pagamento e a margem de lucro já apertada do setor de serviços.
Imagine uma empresa de transporte terceirizado, responsável pela manutenção da frota de ônibus de uma cidade. Um atraso pontual na entrega de peças, decorrente de uma greve portuária que paralisou o desembaraço de cargas, gera uma multa que compromete o pagamento da folha salarial. Esse cenário, infelizmente, não é incomum.
As crises econômicas globais e regionais, que se desenrolam nesse exato momento, somam-se a esse quadro. A inflação crescente, a alta dos juros e a restrição ao crédito corroem o capital de giro das empresas, tornando-as mais suscetíveis a qualquer abalo financeiro. Desastres naturais, como enchentes ou deslizamentos, podem paralisar operações, atrasar entregas e gerar custos extras não previstos, aumentando o risco de penalidades por descumprimento contratual.
A pandemia de COVID-19, embora tecnicamente tenha terminado, deixou um rastro de dificuldades para as empresas. Muitas batalharam para manter seus negócios e empregos, acumulando dívidas e operando com margens reduzidas. Nesse contexto, a aplicação de multas por eventuais atrasos ou falhas, sem considerar as cicatrizes financeiras deixadas pela crise sanitária, soa como uma punição excessiva.
É crucial lembrar uma diferença fundamental: o Estado, em momentos de dificuldade, pode aumentar a arrecadação de impostos. As empresas, por outro lado, dependem exclusivamente de seu faturamento, que pode ser severamente impactado por glosas, multas e outras sanções. Essa assimetria de recursos exige uma postura mais cuidadosa do Estado na aplicação de penalidades.
Além disso, o mercado de trabalho brasileiro apresenta seus próprios desafios. A dificuldade em preencher vagas operacionais, como demonstrado em diversas pesquisas, eleva os custos de recrutamento e seleção. A rotatividade de mão de obra, impulsionada pelas preferências das novas gerações por flexibilidade e qualidade de vida , exige investimentos constantes em treinamento e qualificação.
Diante desse panorama, é urgente repensar a relação entre o Estado e as empresas terceirizadas. A “mão” do poder público precisa ser firme, mas justa, buscando o equilíbrio entre a garantia do interesse público e a sustentabilidade das empresas. Não se trata de abrir mão da punição em casos de má fé ou negligência, mas de aplicar sanções de forma justa e proporcional, considerando o cenário econômico atual, as dificuldades enfrentadas pelas empresas e o impacto potencial na continuidade dos serviços.
É fundamental que os contratos sejam claros e realistas, que a fiscalização seja transparente e orientadora, e que as penalidades sejam aplicadas com bom senso, considerando as circunstâncias atenuantes e a capacidade de pagamento das empresas.
Em vez de um jogo de soma zero, onde o ganho do Estado implica a perda da empresa, é preciso construir uma parceria colaborativa, onde ambos os lados trabalhem juntos para entregar serviços de qualidade à sociedade. O Estado, ao preservar a saúde financeira das empresas terceirizadas, garante a continuidade dos serviços essenciais e fortalece a economia como um todo.