Preclusão Lógica em Contratos Administrativos: Quando o Silêncio Impede a Revisão de Preços

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Preclusão Lógica em Contratos Administrativos: Quando o Silêncio Impede a Revisão de Preços

Introdução

A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é a viga mestra que sustenta a relação entre a Administração Pública e o particular em um contrato administrativo, conforme assegura o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Para garantir que a equação financeira originalmente pactuada se preserve ao longo do tempo, a legislação prevê três institutos distintos de alteração de preços: o reajuste, a revisão e a repactuação.

Contudo, a aplicação prática desses mecanismos gera uma controvérsia recorrente no Judiciário: a ocorrência da preclusão. A questão central orbita em torno da assinatura de termos aditivos de prorrogação contratual. Seria a celebração de um aditivo, sem ressalva expressa, um ato de renúncia ao direito de discutir valores passados?

A resposta, consolidada na jurisprudência, não é unívoca. Ela depende da natureza do crédito pleiteado. Este artigo visa analisar, com base em decisões recentes dos tribunais, como a preclusão é aplicada de forma distinta para cada um dos institutos, oferecendo um guia sobre o posicionamento atual do direito brasileiro.

1. A Distinção Fundamental entre os Institutos de Alteração de Preços

Para compreender a lógica da preclusão, é imperativo diferenciar os três mecanismos.

  • 1.1. O Reajuste em Sentido Estrito: Trata-se da mera atualização do valor da moeda para compensar os efeitos da inflação. É um direito de aplicação quase automática, baseado em índices previamente definidos no edital e no contrato, exigível após o interregno mínimo de um ano. Sua finalidade não é corrigir desequilíbrios, mas preservar o valor real da proposta.
  • 1.2. A Revisão de Preços: Este é o mecanismo para o restabelecimento do equilíbrio contratual rompido por fatos imprevisíveis ou, se previsíveis, de consequências incalculáveis (teoria da imprevisão), ou ainda por fatos do príncipe ou fatos da administração. Diferentemente do reajuste, a revisão não é automática; ela exige que a parte interessada provoque a Administração e comprove cabalmente o desequilíbrio e o nexo causal.
  • 1.3. A Repactuação: Figura específica dos contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, a repactuação visa adequar os preços do contrato às variações de custos do trabalho, decorrentes, majoritariamente, de convenções ou dissídios coletivos. Sua aplicação é vinculada a um evento futuro (o dissídio) e possui um rito procedimental próprio.

2. A Aplicação da Preclusão pela Jurisprudência

A análise jurisprudencial revela que o mesmo ato — a assinatura de um termo aditivo sem ressalvas — produz consequências jurídicas radicalmente diferentes a depender do direito em discussão.

2.1. Revisão de Preços e a Ocorrência da Preclusão Lógica

No que tange à revisão de preços, a jurisprudência majoritária, incluindo a do Tribunal de Justiça de São Paulo, é firme em reconhecer a ocorrência da preclusão lógica. Entende-se que a assinatura de um termo aditivo de prorrogação, sem qualquer menção a um desequilíbrio pendente, é um ato incompatível com a vontade de revisar. Ao aceitar a continuidade do contrato nos termos vigentes, a contratada estaria, tacitamente, declarando que a equação financeira se encontrava equilibrada, renunciando ao direito de pleitear revisão por fatos passados.

TJ-SP — Apelação Cível 1008471-11.2023.8.26.0053 — Publicado em 23/02/2024

A celebração de aditivos contratuais sem ressalva quanto ao reequilíbrio econômico-financeiro do período anterior implica em quitação e renúncia a eventuais direitos. A ausência de manifestação no momento oportuno leva à perda do direito de questionar as bases financeiras do contrato.

2.2. Reajuste de Preços e a Inaplicabilidade da Preclusão

O cenário se inverte completamente quando o pleito é de reajuste. Os tribunais entendem que não há preclusão lógica para a cobrança de reajustes não pagos. O fundamento é duplo: primeiro, o reajuste é um direito quase automático que visa apenas recompor o valor da moeda, não se tratando de uma liberalidade da Administração; segundo, a renúncia a direitos deve ser interpretada de forma restritiva, não podendo ser presumida a partir do silêncio da parte em um termo aditivo.

TJ-RO — Apelação Cível 7019528-79.2018.822.0001 — Publicado em 2022

O reajuste de preços é um direito respaldado pela Constituição para manter o equilíbrio econômico-financeiro. A ausência de previsão expressa nos aditivos não acarreta preclusão lógica da pretensão de receber a diferença dos preços.

2.3. A Repactuação e a Preclusão do Direito de Pleitear

A repactuação apresenta uma terceira via. A preclusão aqui não decorre de um “ato incompatível”, mas do não exercício do direito dentro de um prazo específico. A jurisprudência, liderada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), consolidou que a empresa contratada tem o ônus de solicitar a repactuação após a homologação da nova convenção coletiva.

A inércia da empresa em formalizar o pedido, preferencialmente antes da prorrogação contratual seguinte, acarreta a preclusão do próprio direito de repactuar os custos daquele dissídio. O ato que gera a preclusão não é a assinatura do aditivo, mas o silêncio que o antecedeu. Se o pedido foi feito a tempo, a assinatura posterior de um aditivo não prejudica o direito.

TCU — Acórdão 1896/2022-Plenário

O direito à repactuação preclui se a contratada não o exercer até a data da prorrogação do contrato. A não apresentação do pedido de repactuação em tempo hábil é interpretada como renúncia tácita ao direito.

Conclusão

A análise da jurisprudência demonstra que a preclusão em contratos administrativos é um instituto multifacetado, cuja aplicação depende estritamente da natureza do direito pleiteado. A atuação diligente do contratado é crucial para a preservação de seus direitos:

  1. Para a revisão, é imperativo que se faça uma ressalva expressa em qualquer termo aditivo, sob pena de caracterizar a preclusão lógica.
  2. Para o reajuste, o direito à cobrança retroativa se mantém, ainda que os aditivos sejam silentes, pois a renúncia não se presume.
  3. Para a repactuação, a chave é a tempestividade da solicitação após o fato gerador (dissídio), sob pena de preclusão do próprio direito de pleitear.

Essa distinção, além de orientar a atuação das empresas que contratam com o Poder Público, reforça a segurança jurídica e a correta aplicação dos mecanismos destinados a garantir a justa remuneração e o equilíbrio dos contratos administrativos.

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