Introdução Rápida: O Que Você Precisa Saber
A Lei nº 14.133/2021, a famosa Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC), transformou o panorama para quem quer fazer negócios com o governo. Antes, ter pessoas com deficiência (PCDs) ou aprendizes na equipe era um “bônus” ou um critério de desempate em licitações. Agora, a história é outra: é uma exigência obrigatória, que abrange não apenas PCDs e aprendizes, mas também outras categorias de reserva de cargos previstas em lei!
Essa mudança mostra que o governo quer usar seu poder de compra para promover a inclusão social. Não é só sobre o menor preço, mas também sobre como as empresas contribuem para uma sociedade mais justa, incorporando critérios de sustentabilidade social. A lei, de fato, defende a inclusão como um valor fundamental, buscando corrigir um passivo histórico de exclusão e promover a autonomia de grupos marginalizados.
Mas, como toda grande mudança, essa também traz desafios. Empresas e órgãos públicos estão se adaptando para cumprir as novas regras. Este artigo vai descomplicar tudo isso, com exemplos e dicas, para você entender o que mudou e como se preparar.
1. De Onde Viemos: A História das Cotas no Brasil
1.1. As Leis de Cotas: PCDs e Aprendizes
No Brasil, a inclusão de pessoas no mercado de trabalho tem leis antigas, mas que nem sempre foram fáceis de aplicar:
- Lei de Cotas para PCDs (Lei nº 8.213/1991): Desde 1991, empresas com 100 ou mais funcionários são obrigadas a contratar um percentual de Pessoas com Deficiência (PCDs) ou reabilitados do INSS. Essa porcentagem varia de 2% a 5%, dependendo do tamanho da empresa. Por exemplo, uma empresa com 300 funcionários precisa ter 3% de PCDs. A regulamentação dessa lei demorou quase uma década para sair.
- Lei do Aprendiz (Lei nº 10.097/2000): Essa lei busca dar uma primeira oportunidade de trabalho para jovens. Ela exige que empresas de médio e grande porte contratem jovens de 14 a 24 anos como aprendizes, em um percentual que vai de 5% a 15% das funções que exigem formação profissional. A Constituição Federal e a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) também protegem esses jovens, garantindo direitos como salário, jornada e formação.
1.2. Como Era Antes: A Lei nº 8.666/1993
Na antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), a inclusão de PCDs era vista de forma mais “tímida”. Se duas empresas empatassem em uma licitação, aquela que comprovasse ter PCDs na equipe levava vantagem. Era um “critério de desempate”, não uma obrigação para participar. Para aprendizes, a lei antiga era praticamente silenciosa.
Exemplo: Imagine que a Empresa A e a Empresa B oferecem o mesmo preço em uma licitação. Se a Empresa A tivesse PCDs e a Empresa B não, a Empresa A ganharia. Mas se nenhuma tivesse, não faria diferença.
A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) mudou essa lógica. O que antes era um incentivo passivo, virou uma regra que pode te tirar do processo se não for cumprida.
Para entender melhor a diferença, veja a tabela abaixo:
Tabela 1: Comparativo das Exigências de Cotas (Lei nº 8.666/1993 vs. Lei nº 14.133/2021)
Aspecto | Lei nº 8.666/1993 (Antiga) | Lei nº 14.133/2021 (Nova) |
Para PCDs | Era um “bônus” para desempate | É uma regra obrigatória para participar da licitação e para manter o contrato |
Para Aprendizes | Quase não falava sobre isso | É uma regra obrigatória para manter o contrato |
Quando o governo verifica | Só depois das propostas, para desempatar | Na hora de se habilitar para a licitação e durante todo o contrato |
O que acontece se não cumprir | Perdia o “bônus” de desempate | Pode ser desclassificado da licitação, ter o contrato cancelado e sofrer outras punições |
2. A Nova Lei de Licitações: Cotas Viram Regra!
2.1. A Nova Lei é para Valer!
A Lei nº 14.133/2021 se tornou obrigatória para todos os órgãos públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a partir de 1º de janeiro de 2024, após o encerramento do período de transição. Isso significa que as regras de inclusão são as mesmas em todo o país, o que é bom para padronizar, mas também um desafio para cidades menores que talvez não tenham tanta estrutura para fiscalizar.
2.2. Cotas como “Passaporte” para a Licitação: O Termo “Reserva” (Art. 63, IV)
Uma das maiores novidades da Lei nº 14.133/2021 é a elevação da reserva de cargos para Pessoas com Deficiência (PCDs) e reabilitados da Previdência Social a um requisito de habilitação. O Art. 63, inciso IV, da NLLC, exige que o licitante apresente uma declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos previstas em lei e em outras normas específicas.
É crucial entender a diferença aqui: a lei fala em “reserva” de cargos, e não em “efetivo preenchimento” no momento exato da habilitação. Isso significa que a empresa deve ter a estrutura e a política para cumprir as cotas, e não necessariamente ter todas as vagas preenchidas no dia da licitação. Contudo, a expectativa é que o preenchimento ocorra. Se a declaração for falsa, ou seja, se a empresa não tiver nem a “reserva” ou a intenção de cumprir, ela pode ser inabilitada.
É fundamental notar a distinção no tratamento entre PCDs e aprendizes na fase de habilitação. Enquanto a declaração de cumprimento das cotas para PCDs é um requisito explícito de habilitação, a exigência de contratação de aprendizes, embora de suma importância, não se configura como tal no Art. 63, IV. A obrigação de contratar aprendizes é primariamente estabelecida como uma cláusula necessária do contrato administrativo a ser firmado (Art. 92, XVII) e uma obrigação a ser cumprida durante a execução contratual (Art. 116).
2.3. A Obrigação Continua Durante o Contrato (Art. 92, XVII e Art. 116)
A Lei nº 14.133/2021 não se limita a exigir a declaração de cumprimento das cotas na fase de habilitação; ela estende essa obrigação ao longo de toda a execução do contrato para pessoas com deficiência, reabilitados da Previdência Social e aprendizes, bem como as reservas de cargos previstas em outras normas específicas. O Art. 92, inciso XVII, da NLLC, estabelece que os contratos administrativos devem conter cláusulas que prevejam expressamente essa obrigação, tornando-a parte integrante e inegociável do vínculo contratual.
Para garantir a efetividade dessa previsão, o parágrafo único do Art. 116 da NLLC autoriza a Administração contratante a solicitar ao contratado, a qualquer momento durante a execução do ajuste, a comprovação do cumprimento da reserva de cargos, com a indicação dos empregados que preenchem as referidas vagas. Essa prerrogativa confere ao fiscal do contrato um papel ativo na verificação da conformidade.
2.4. As Consequências de Não Cumprir: “Fora do Processo!” (Art. 137, IX)
O descumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos na Lei nº 14.133/2021 acarreta consequências severas, podendo levar à inabilitação do licitante na fase de concorrência e à extinção do contrato administrativo durante sua execução.
Na fase de habilitação, a ausência da declaração de cumprimento das exigências de reserva de cargos para PCDs e reabilitados, conforme o Art. 63, IV, ou a constatação de que a declaração é falsa, deve implicar a inabilitação da empresa licitante. A jurisprudência tem reforçado que esse requisito é objetivo, e a análise das razões pelas quais a licitante deixou de cumprir as cotas não é pertinente no âmbito do processo licitatório.
Durante a execução do contrato, o não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos para PCDs, reabilitados da Previdência Social ou aprendizes, ou outras previstas em normas específicas, é um motivo expresso para a extinção unilateral do contrato administrativo, conforme o Art. 137, inciso IX, da NLLC. Se a fiscalização identificar o descumprimento dessa obrigação, deve comunicar a Administração para a adoção das medidas cabíveis, que podem culminar na rescisão unilateral do contrato, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis.
Para facilitar, veja os artigos mais importantes da Nova Lei sobre as cotas:
Tabela 2: Artigos Chave da Lei nº 14.133/2021 Relacionados à Reserva de Cargos
Artigo | O que ele diz | Por que é importante |
Art. 63, IV | Requisito de habilitação: declaração de cumprimento de reserva de cotas para PCDs e reabilitados da Previdência Social. | É o “passaporte” para entrar na licitação. Sem ele, a empresa é desclassificada. |
Art. 92, XVII | Cláusula necessária nos contratos: obrigação de cumprir cotas para PCDs, reabilitados da Previdência Social e aprendizes. | Garante a inclusão social como parte integrante do acordo. |
Art. 116 | Obrigação de cumprimento das cotas ao longo de toda a execução do contrato. | Assegura a continuidade da política de inclusão durante a vigência do contrato. |
Art. 116, Parágrafo Único | Comprovação do cumprimento das cotas quando solicitado pela Administração. | Permite a fiscalização ativa e contínua da Administração sobre a conformidade. |
Art. 121, § 2º | Responsabilização da Administração por encargos previdenciários e trabalhistas de menores aprendizes em serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, se não adimplidos pelo contratado. | Protege os direitos dos aprendizes e mitiga riscos para a Administração em caso de inadimplência do contratado. |
Art. 137, IX | Motivo para extinção do contrato: descumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos. | Consequência grave para o contratado que não cumpre a lei, podendo levar à rescisão unilateral. |
3. Os Desafios na Prática: Um “Problemão” para Todos!
3.1. Empresas: A Busca por Talentos e a Adaptação
Para as empresas, especialmente as grandes ou as que prestam serviços contínuos (como terceirização), cumprir as cotas é um “problemão”. A dificuldade em encontrar Pessoas com Deficiência (PCDs) e aprendizes em quantidade e com a qualificação suficiente para preencher as cotas é uma barreira persistente.
- Dificuldade em encontrar qualificação adequada: Muitas vezes, o desafio não é apenas encontrar pessoas, mas encontrar profissionais com a qualificação específica que o serviço licitado exige. O próprio órgão público, ao detalhar os serviços, pode, sem querer, dificultar o encaixe de certos perfis.
- Exemplo: Uma licitação para serviços de engenharia de software pode exigir programadores com experiência em linguagens muito específicas. Encontrar PCDs com essa especialização pode ser um desafio enorme, mesmo para empresas de boa-fé que querem cumprir a cota. Da mesma forma, um serviço de limpeza pesada pode ter dificuldades em alocar aprendizes em funções que demandam esforço físico incompatível com a aprendizagem.
- Exemplo: Uma licitação para serviços de engenharia de software pode exigir programadores com experiência em linguagens muito específicas. Encontrar PCDs com essa especialização pode ser um desafio enorme, mesmo para empresas de boa-fé que querem cumprir a cota. Da mesma forma, um serviço de limpeza pesada pode ter dificuldades em alocar aprendizes em funções que demandam esforço físico incompatível com a aprendizagem.
- Adaptação: É preciso adaptar o ambiente de trabalho para garantir a acessibilidade dos PCDs e ter programas de treinamento para os aprendizes.
- Retenção: Manter esses profissionais também é um desafio, pois há muita concorrência por talentos.
Essa situação coloca as empresas “entre a cruz e a espada”. Se não cumprem, podem ser inabilitadas ou ter contratos cancelados. Se mentem, correm o risco de sanções administrativas e até criminais por falsidade ideológica.
3.2. O Custo da Inclusão e a Boa-Fé Empresarial
Cumprir as cotas pode gerar custos adicionais para as empresas, como adaptação de espaços e treinamento. Isso levanta a preocupação de que esses custos possam afetar a competitividade das empresas.
A Nova Lei quer que as licitações considerem não só o preço, mas também o impacto social. Embora a lei defenda a inclusão como um valor, os custos práticos da conformidade podem dissuadir licitantes ou elevar os preços dos contratos, impactando a eficiência do gasto público.
Apesar das dificuldades, muitas empresas agem de boa-fé, buscando ativamente o cumprimento das cotas. No entanto, a escassez de candidatos adequados ou a falta de meios para alocá-los em postos de trabalho compatíveis com as exigências da lei são obstáculos reais e complexos. A lei não pode ignorar essa realidade do mercado, sob pena de gerar um descompasso entre a norma e a prática, prejudicando tanto as empresas quanto os próprios objetivos de inclusão.
3.3. Governo: O Desafio da Fiscalização
A Administração Pública também enfrenta seus próprios “problemões” para fiscalizar as cotas.
- Falta de padronização: Não há um padrão único para o registro de informações em todos os órgãos e secretarias.
- Burocracia e lentidão: A operacionalização das exigências dos editais pode ser lenta.
- Falta de capacitação: Muitos gestores e fiscais de contratos precisam de mais treinamento para entender e fiscalizar as cotas.
- Dados inconsistentes: O Tribunal de Contas da União (TCU) já identificou falhas nos registros de contratos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o que dificulta a fiscalização, especialmente em municípios.
Exemplo: Um fiscal de contrato em um município pequeno pode não ter o treinamento ou as ferramentas digitais necessárias para verificar se uma grande empresa de terceirização está realmente cumprindo as cotas de aprendizes em todas as suas unidades, especialmente se as funções exigem qualificações muito específicas.
A tabela a seguir resume os desafios e algumas estratégias para superá-los:
Tabela 3: Desafios Comuns e Estratégias de Mitigação no Cumprimento das Cotas
Desafio | Impacto | Como Resolver (Estratégias) |
Dificuldade em encontrar candidatos qualificados (PCD/Aprendiz) | Empresa pode ser desclassificada ou multada | Fazer parcerias com escolas e ONGs; Criar programas de treinamento; Usar bancos de currículos especializados (como o PCD Online ) |
Custos de adaptação e treinamento | Pode reduzir a competitividade da empresa | Buscar incentivos fiscais; Otimizar processos internos; Dialogar com órgãos de controle |
Risco de declaração falsa | Punições graves (administrativas e criminais) | Criar sistemas de controle interno; Treinar a equipe sobre ética e conformidade |
Dificuldade de fiscalização pelo governo | A lei pode não ser aplicada de forma eficaz | Capacitar fiscais e gestores; Melhorar sistemas de dados (PNCP, eSocial) |
Dificuldade em manter os profissionais | Pode levar ao cancelamento do contrato | Oferecer planos de carreira; Criar um ambiente de trabalho inclusivo; Oferecer bons benefícios |
Burocracia na comprovação | Atrasos processuais; Desgaste para empresas e Administração | Usar certidões do MTE e dados do eSocial; Padronizar documentos e procedimentos |
4. A Lei em Ação: Regulamentação e Decisões da Justiça
4.1. Novas Regras e Certidões Digitais (Portaria MTE nº 547/2025)
Para ajudar a fiscalizar, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou a Portaria MTE nº 547, em abril de 2025. Essa portaria permite que as empresas emitam certidões digitais de cumprimento das cotas de PCDs e aprendizes, usando as informações que elas já enviam para o eSocial (Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas).
Importante: A certidão é emitida com base nas informações que a própria empresa fornece, e o MTE não as valida. Isso significa que a responsabilidade pela veracidade dos dados é
exclusiva do empregador. Se a empresa fornecer informações falsas, pode ser punida, mesmo com a certidão em mãos.
4.2. A Palavra da AGU (Advocacia-Geral da União)
A AGU, que é o “advogado” do governo, também tem se manifestado sobre o tema. O Parecer nº 00060/2024/DECOR/CGU/AGU esclarece que a declaração da empresa tem uma “presunção de verdade relativa”.
Isso quer dizer que, se houver um documento oficial de uma fiscalização do trabalho que diga o contrário da declaração da empresa, o documento da fiscalização prevalece. Ou seja, os agentes do governo não podem ignorar um relatório de um Auditor Fiscal do Trabalho que aponte o não cumprimento das cotas.
Exemplo: Se uma empresa declara que cumpre as cotas, mas um relatório da fiscalização do trabalho mostra que ela foi multada por não cumprir, o governo deve considerar o relatório da fiscalização e pode desclassificar a empresa.
4.3. O Olhar do TCU (Tribunal de Contas da União)
O TCU, que fiscaliza o uso do dinheiro público, tem acompanhado de perto a implementação da Lei nº 14.133/2021. O Acórdão 523/2025-Plenário do TCU confirma que a veracidade da declaração de cumprimento das exigências do Art. 63, IV, da NLLC pode ser comprovada por meio de certidão expedida pelo MTE ou por extratos dos dados registrados no eSocial.
No entanto, o TCU já percebeu que o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que deveria centralizar todas as informações de licitações, ainda tem falhas e inconsistências, especialmente nos municípios. Isso dificulta a fiscalização completa e eficaz das cotas.
4.4. O Que Dizem os Tribunais do Trabalho e o STJ
As cotas em licitações criam uma ponte entre o Direito Administrativo (licitações) e o Direito do Trabalho (regras de contratação). Os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) já têm muita experiência em julgar casos de cotas de aprendizes e PCDs. Por exemplo, já decidiram sobre como calcular a base de aprendizes, incluindo ou excluindo certas funções.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também atua em casos de ações afirmativas, como cotas em concursos públicos. Embora não haja muitos casos específicos do STJ sobre as cotas da Nova Lei de Licitações ainda, a atuação da corte mostra a importância do tema.
Essa mistura de áreas do direito significa que empresas e gestores públicos precisam entender bem as regras trabalhistas para não ter problemas nas licitações.
5. Conclusão: Um Caminho para a Inclusão
5.1. Avanços e Desafios que Continuam
A Lei nº 14.133/2021 é um passo gigante para a inclusão social no Brasil. Ao transformar a “reserva” de cargos para Pessoas com Deficiência e aprendizes, e outras categorias previstas em lei, de um mero critério de desempate para um requisito mandatório de habilitação e uma obrigação contratual contínua, a NLLC demonstra um compromisso legislativo inequívoco com a equidade e a função social das contratações públicas. Essa mudança de paradigma fortalece o papel do Estado como indutor de políticas sociais por meio de seu poder de compra.
Contudo, a análise aprofundada revela que, apesar dos avanços normativos, desafios substanciais persistem. Para as empresas, as dificuldades na atração, qualificação e retenção de talentos para preencher as cotas, somadas aos custos de adaptação e ao risco de sanções por declarações falsas, criam um cenário complexo e, por vezes, angustiante. A dificuldade é ainda maior quando a qualificação exigida para os serviços licitados é muito específica, ou quando o próprio órgão público, ao definir o objeto do contrato, não considera a viabilidade de alocar esses profissionais.
A integração das cotas na NLLC, embora louvável em sua intenção, transfere um “problemão” do âmbito trabalhista para o das licitações. Para que a inclusão seja verdadeiramente bem-sucedida, a responsabilidade deve ser compartilhada, com o governo não apenas exigindo conformidade, mas também facilitando-a por meio de mecanismos de apoio, programas de treinamento e uma infraestrutura de dados robusta e confiável. Uma abordagem puramente punitiva, sem considerar as dificuldades sistêmicas enfrentadas pelas empresas, pode gerar consequências indesejadas, como a redução da concorrência nas licitações ou a informalidade, comprometendo os próprios objetivos sociais da lei.
5.2. Recomendações: Como Fazer Acontecer
Para a efetivação plena das disposições da NLLC sobre reserva de cargos, são necessárias ações estratégicas e coordenadas:
Para Empresas:
- Crie um “Plano de Inclusão”: Tenha um programa claro para contratar e manter PCDs e aprendizes. Monitore isso de perto.
- Faça Parcerias Estratégicas: Busque ajuda de escolas, ONGs e associações de PCDs. Eles podem ajudar a encontrar talentos e oferecer capacitação.
- Gestão de Dados e eSocial: Mantenha registros detalhados e atualizados no eSocial, garantindo a precisão das informações. A fidedignidade dos dados é crucial para a emissão das certidões do MTE e para evitar questionamentos por parte dos órgãos de controle.
- Assessoria Especializada: Conte com assessoria jurídica e de recursos humanos especializada para navegar pelas complexidades da legislação trabalhista e de licitações. Essa expertise é vital para mitigar riscos de inabilitação, sanções e litígios.
Para Órgãos Públicos:
- Capacitação Massiva: Invista significativamente na capacitação de gestores e fiscais de contratos. Eles precisam desenvolver expertise em legislação trabalhista, técnicas de verificação e gestão de contratos com cláusulas sociais, para fiscalizar efetivamente o cumprimento das cotas.
- Confiabilidade dos Sistemas de Informação: Garanta a integração e a confiabilidade dos sistemas de informação, como o PNCP e o eSocial. A promoção da interoperabilidade e da qualidade dos dados é essencial para um monitoramento eficaz e transparente das contratações.
- Programas de Apoio e Incentivos: Considere a criação de programas de apoio ou incentivos para empresas que demonstrem dificuldades genuínas no cumprimento das cotas, sem comprometer o objetivo da lei. Isso pode incluir linhas de crédito, consultoria especializada ou programas de qualificação profissional em parceria com o setor privado.
- Transparência e Padronização: Promova a transparência e a padronização dos editais de licitação quanto às exigências de cotas, com redação clara e objetiva, evitando ambiguidades que possam gerar contestações ou interpretações divergentes. Além disso, ao elaborar os termos de referência e projetos básicos, os órgãos devem considerar a viabilidade real de preenchimento das vagas para os serviços específicos que estão sendo licitados, buscando um equilíbrio entre a necessidade do serviço e a capacidade do mercado de trabalho de fornecer profissionais com as qualificações exigidas e que se enquadrem nas cotas.
5.3. Perspectivas Futuras da Inclusão Social nas Contratações Públicas
A Lei nº 14.133/2021, ao estabelecer um novo marco para a inclusão social nas contratações públicas, sinaliza uma tendência de aprofundamento dessa agenda. A menção a “outras normas específicas” para reservas de cargos sugere que o escopo da responsabilidade social nas licitações pode ser ampliado no futuro, incorporando outras categorias de grupos vulneráveis, como egressos do sistema prisional ou mulheres em situação de risco. Essa expansão potencializa o uso das contratações públicas como uma ferramenta ainda mais abrangente para abordar diversas desigualdades sociais no Brasil, indo além dos objetivos econômicos tradicionais.
Para que a NLLC cumpra seu papel de catalisador de transformação social de forma equilibrada e sustentável, é imperativo um diálogo contínuo e construtivo entre legisladores, órgãos de controle, empresas e a sociedade civil. Esse diálogo deve focar não apenas na imposição de obrigações, mas também na criação de um ambiente que facilite o cumprimento e supere os desafios práticos. A capacidade de adaptação e a agilidade nas políticas de responsabilidade social e recursos humanos serão cada vez mais cruciais para as empresas que desejam se engajar com o setor público. Da mesma forma, a Administração Pública precisará desenvolver mecanismos mais sofisticados para identificar, implementar e monitorar esses diversos objetivos sociais, exigindo uma evolução contínua das práticas de gestão pública.